A Ilha de Verde
No meio da planície alentejana, entre Sines e Alcácer do Sal, encontra-se uma ilha de verde. A Serra de Grândola é uma região de baixa montanha, com cumes que não ultrapassam os 300 metros de altitude, um relevo, no entanto, agreste e duro, com uma cobertura florestal verde que a destaca claramente do meio circundante, mercê dos seus pinheiros, sobreiros e eucaliptos, que sobrevivem na companhia de inúmeros pequenos regatos e de variadas espécies animais.
Foi este o cenário que escolhi para voltar à actividade. Dois dias de orientação em BTT, com percursos que, aparentemente não deveriam ser demasiado complicados (15 kms de percurso em qualquer um dos dias), ideal para alguém que já não fazia desporto ‘à séria’ há 2 meses – e um óptimo teste para o meu recém recuperado joelho esquerdo.
Portanto, Sábado, às 14h03 (minha hora de partida), era um Ricardo expectante, aquele que estava na linha de partida, a ajeitar o mapa e a dar a primeira pedalada em todo-o-terreno em muito tempo…
O primeiro ponto até me correu bem, com a passagem de um ribeiro que me fez logo sentir numa prova de aventura – e foi refrescante. O pior foi a seguir. Os pontos seguintes foram um autêntico calvário. Para além de um terreno duro, com frequentes elevações íngremes, e da temperatura (34º…), estava com problemas devido à minha fraca condição física (pois meu amigo, tudo se paga, especialmente aqueles Toblerone de 400 grs) e muito tempo sem olhar para uma carta de orientação.
Pouca gente se apercebe disso, mas, quando se tem um mapa e estamos no local que ele representa, o mapa e o terreno comunicam, falam um com o outro. Mesmo! Cada elevação cochicha com as suas curvas de nível na carta, cada ponto verde acena à árvore correspondente, cada curva que damos faz o mapa e a paisagem que vemos mudarem em consonância. A única coisa que temos que fazer é estar atentos e aprender a escutar a conversa que têm, ouvir o que têm para dizer um ao outro. E, assim, navegar com base no que eles dizem.
Mas foi exactamente isto que eu não consegui fazer logo desde o início. De vez em quando, perdia-me e não sabia exactamente o que estava aquele caminho a fazer ali. Ora, quando se está no meio do Alentejo, com 30º e a carregar uma bicicleta à mão por uma vereda acima, a última coisa que nos apetece é não saber onde estamos!
Foi assim que cheguei ao ponto 5, no alto de um monte, ao lado de um marco geodésico e com uma vista fabulosa para a “Ilha Verde” à minha volta. Demorei 2 minutos e iniciei a descida do monte, no sentido inverso à da maioria dos que tinham vindo fazer este ponto ao mesmo tempo que eu – tinha perscrutado um bom caminho para o 6, com muitas descidas e partes planas e, de qualquer modo, nada me garantia que os outros bttistas não estivessem num percurso diferente do meu. 300 metros de travões mais à frente um obstáculo sério – uma árvore tinha tombado para a estrada e cortava-me o caminho. Desmontar, encaixar a bicicleta no ombro e opa para o outro lado. Acabei a descida e aí é que foram elas – apesar de ter estado 20 minutos de um lado para o outro, não encontrei o caminho que tinha identificado no mapa! Não estava a ouvir a conversa entre o mapa e o terreno e, foi com este pensamento que tomei um caminho alternativo que me fez andar para trás, para um cruzamento por onde já tinha passado.
Foi nesta altura que pensei em desistir. Não estou habituado a pensar desta maneira mas, há uma altura em que todos temos que saber quando parar. E, depois de mais de uma hora de bicicleta, por montes e vales, umas vezes a pedalar devagarinho, outras a levá-la à mão, por vezes perdido, sempre sob um sol escaldante de 30º, e só ter feito ainda um terço do percurso… Mói qualquer um! Só não desisti porque, quando olhei para toda a distância que teria que vencer em caminhos de terra para voltar à partida, senti-me ainda mais cansado – e, por isso, resolvi tentar fazer mais 2 ou 3 pontos, só para ver como me dava (e para me deixar mais perto da estrada asfaltada).
Em boa hora o fiz! Assim que regressei àquele cruzamento, a minha navegação voltou a funcionar. Fui direito ao ponto 6 pelo melhor caminho a partir dali (descidas qb, sombra,…) e a partir do 7 parecia um míssil teleguiado. Parecia que tinha voltado a ouvir a conversa entre o terreno e o mapa. Por mais difícil que fosse, não me enganava nunca e comecei a tirar cada vez mais gozo do terreno e da prova. Cada cruzamento, cada paragem para me orientar, cada curva, cada subida, cada pormenor de verde, cada ribeiro davam-me cada vez mais gozo. Senti-me novamente pronto para a aventura e para os espaços abertos…
Hoje vi a minha classificação na prova. Um lugar muito cá para trás e um tempo miserável. Não fiquei surpreendido. Mas, confesso que a vitória de ter voltado a pedalar no meio de uma serra, a transposição de cada obstáculo, o gozo de cada decisão no terreno (e o meu joelho a corresponder) foram o mais claro sinal de que tinha vencido!
(Nota: fotos da responsabilidade e autoria da organização do evento - Clube da Natureza do Alvito)
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