As crónicas do Lynx

Uma colecção de pequenas crónicas dedicadas a uma grande paixão de sempre: Viver essa maravilhosa aventura que é o dia-a-dia!

domingo, agosto 24, 2014

A rota do emigrante


Era algo que queria fazer. Algo que sentia que devia fazer. Afinal, sou um emigrante português na Europa e acredito que todos os emigrantes portugueses têm que o fazer pelo menos uma vez. Fazer a viagem desde a nossa casa adoptiva até à nossa casa em Portugal, de carro. No meu caso, isso significava sair ho Sul da Holanda, atravessar a Bélgica, França, Espanha e Portugal, até São João do Estoril. Desenhei um itinerário, propu-lo à JK, ela aceitou e aí fomos nós!

Deve dizer-se que, no sentido Norte-Sul, o itinerário que desenhámos não foi muito puxado, conseguimos conciliar a viagem com algum (bom) turismo, nomeadamente para a JK, que não conhecia as cidades de Bilbau e Santiago de Compostela e, vergonha das vergonhas, para mim, que não conhecia o... Porto. Assim, tornámos a viagem mais dura, com bons jantares nestas cidades e manhãs de puro turismo em qualquer uma delas.

E bem que precisámos! Afinal, estamos falar de uma viagem de 2500 quilómetros, ao longo de 5 países - e dois deles são dos maiores da Europa. Um dia, logo primeiro dia completo, fizemos mais de 1000 quilómetros e 12h30 a conduzir! Mas esse foi claramente o dia mais puxado.

O primeiro dia foi bem mais calmo. Saímos de Roterdão depois de eu voltar do escritório e fomos em direcção ao Somme, já em França. Depois de cruzarmos a Bélgica (uma travessia que se faz num instante em pouco mais de uma hora, parámos numa bonita paisagem agrícola, de bosques e campos de cultivo, numa pequena aldeia onde ficámos num hotel mínimo e caseiro. No outro dia de manhã, quando me levantei para ir correr numa paz madrugadora absoluta, pensei nas vastas centenas de milhares de soldados que aqui perderam a vida na I Guerra Mundial - estes campos agora de paz, na altura ficaram conhecidos pelos campos da morte, e não pude deixar de sentir que as florestas, pomares e trigais de agora velavam pelo repouso dos que ali tinham falecido, e vice-versa.

A travessia de França foi longa e cansativa, com o Tom Tom sempre a ajudar-nos a evitar as áreas de maior trânsito (e mesmo assim...). Foi impressionante ver o fluxo de pessoas a dirigirem-se para as os seus locais de férias - carros, motas, caravanas, auto-caravanas... O número de matrículas da Suíça e do Luxemburgo, conduzidos por pessoas com a minha compleição física também revelava mais que a origem, o destino de muitos deles - casa! Não éramos os únicos a fazer a rota do emigrante.

Apesar de as auto-estradas em França convidarem ao abuso da velocidade, era notório o auto-controlo de quem estava a fazer viagens que demorariam muitas e muitas horas - e, curiosamente, isso apenas ajudava ao fluir do trânsito. Afinal, uma velocidade constante de 130 Km/h que é seguida por toda  agente permite "papar" quilómetros! A única excepção foi nas auto-estradas entre Bordéus e San Sebastian, entrecortadas por múltiplas praças de portagem que, confesso, nos moeram claramente a paciência! Mas nada que um bom jantar de pintxos em Bilbau (deliciando-nos com a bilinguidade do País Basco) não aplacasse.

Domingo foi dia de rota cantábrica, por uma magnífica auto-estrada entre as montanhas (e aqui estamos a falar dos Picos da Europa) e o mar, que nos levou a perder o fôlego com a beleza que, subitamente, nos deparávamos a dobrar um contra-forte numa curva ou à saída de um dos inúmeros túneis. Foi também um dia de "onde é que há uma Shell", porque, isto de uma viagem tão grande tem custos e tem que se aproveitar o cartão de gasolina europeu associado ao carro...

E depois de Santiago veio a triste realidade de que era o único a respeitar os limites de velocidade, mesmo que flexibilizados. As curvas do cantábrico não davam azo a grandes velocidades e, por isso, só nessa altura tive a oportunidade de perceber como as regras do jogo mudam na fronteira entre a Ibéria e a França - algo que depois confirmei na "ida para cima". Mas estava quase a chegar a casa, a voltar a falar português. Algo que, confesso, me soube tão bem quando tive que pagar a portagem a Norte do Porto, ou fiz o check-in no hotel. E quando reencontrámos uma amiga nossa (portuguesa, com quem tínhamos estado em São Paulo), para um jantar de conversas fluídas.

 No dia seguinte corri a Avenida da Boavista e embrenhei-me no Parque da Cidade, mas, sobretudo, colmatei o pecado que era não conhecer o Porto, mais do que como ponto de passagem. A cidade é linda! Mesmo num percurso de mais de 12 quilómetros a pé, sob um Sol tão mais forte que o de Roterdão. E, nesse dia, foi também a chegada a casa e a sensação de alegria de todo o emigrante quando revê a família que ficou distante.