As crónicas do Lynx

Uma colecção de pequenas crónicas dedicadas a uma grande paixão de sempre: Viver essa maravilhosa aventura que é o dia-a-dia!

domingo, dezembro 06, 2015

A ponte


Escuro. Desconhecido. Novo. Estou a correr há 2ks numa zona completamente nova de uma cidade que desconheço. E não me sinto confortável. Nada confortável. E a ponte que vejo à minha frente, que me vai levar de volta a à margem que conheço, ao calor, conforto, à minha mulher, essa ponte que promete tanto, ao mesmo tempo, faz-me tremer.

Quando tinha planeado este percurso... não, a verdade é que não o planeei assim. Planeei outro percurso. Mais fácil, mais curto, que atravessava o rio numa ponte mais iluminada, mais central, onde podia ainda viver o burburinho da cidade. Mas... essa ponte, tão melhor, tão mais prometedora, tão cheia de luz,... não era pedonal. Não a podia atravessar. E entre voltar para trás, pelo mesmo caminho já conhecido, ou fazer um pouco menos de quilómetros para chegar à hora prometida, por um caminho novo, claro que escolhi a segunda hipótese. E rapidamente me arrependi.

Colónia é uma cidade vibrante. O seu centro neste Natal estava (e está) em festa, com multidões por todo o lado, risos, sons de alegria e felicidade. Mas este sul na margem oposta à catedral, está mais escuro, solitário e inóspito - inóspito para mim. Estou a correr há quilómetros no meio de uma antiga zona industrial, com uma ou outra discoteca que se enche, pequenos pontos de luz e vida, entre os quais só há deserto, sombras, candeeiros que dispensam uma luz fraca que ilumina algumas pobres almas, umas a ir para um copo, outras para um jantar, outras sabe-se lá. Já passei por um carro da polícia que interrogava um bando de jovens transeuntes (que, nada deviam ter feito porque, quando passei, polícias e pretensos criminosos riam em conjunto), por uma senhora de meia idade que corria como eu e pareceu-me olhar com um extra-terrestre olha outro, por nada e nada e nada. 

Segundo o meu mapa no iPhone, esta é a ponte que, agora, tenho que seguir, no meio deste silêncio de sombras, esta ponte ferroviária, cliché de filme. Não vejo ninguém, excepto uma possível ocasional prostituta, no meio dos armazéns. Chego ao rio, esperançoso, desejoso, por atravessar, por cruzar aquele rio e voltar à luz e ao conforto. E, descubro que, para atravessar a ponte, tenho que subir por aquela torre de tijolo de escadas, o lugar onde se poderiam esconder vampiros ou um gang de tráfico de droga, dependendo do filme que se esteja a ver. Os graffitti abundam pelas escadas, não deixando um tijolo virgem à mostra, e eu, inconscientemente primeiro e muito conscientemente depois, dou por mim a pisar ligeiro enquanto corro pelas escadas, fazendo o mínimo barulho possível, ouvidos bem abertos e atentos ao mínimo som que possa vir de cima. Cada patamar era um momento de suspense, de temor sobre o que viria a seguir, no próximo degrau, no próximo patamar, depois da porta de saída das escadas que ponte encontraria? Que Diogo Alves numa ponte deserta?

Passei a porta, suspirei num semi alívio. Um casal atravessava a ponte 200 metros à minha frente, a ponte não estava deserta, o Diogo Alves ainda não tinha entrado de serviço, podia respirar. Mas não podia esquecer a altura para o Reno, as minhas vertigens, num ambiente ainda tão soturno, misterioso, escuro, a apitarem ao máximo, a lembrarem-me constantemente para não me aproximar da beira (onde um sólido gradeamento nunca me deixaria facilmente passar para o vazio), não falhar um pé, continuar concentrado na margem que estava cada vez mais perto. E que, luminosa, me acolheria num suave abraço em poucos minutos.