Alminha
Olhei em volta, à procura de um lugar propício. Queria um em que me pudesse sentar calmamente, aguardando meio escondido dos olhares de quem viesse. Ali, depois do rio, à beira da floresta, parecia estar o que queria. Um bom lugar para incutir medo e terror. Sorri, antevendo uma noite assombrosa, e encaminhei-me para o local que escolhi.
A princípio, foi apenas uma ligeira sensação. Uma impressão vagamente desagradável. Que crescia a cada passo que dava. O peito tornava-se-me pesado à medida que avançava. E a impressão cedo se transformou numa dor fina e curta. Parei. Olhei em volta. Procurando perceber o que se passava. Nada. "Deve ter sido do cão que comi ontem" pensei. Encolhi os ombros. Avancei. E rapidamente comecei a tremer violentamente. Cada passo era uma tortura crescente. Sentia-me como se as minhas próprias entranhas se estivessem a dissolver, a arder no Inferno. E, então, via-a. Olhei o local para onde me dirigia. E, ali, insuspeita, meio escondida entre a folhagem à beira do caminho, no próprio lugar onde me queria abrigar, estava uma pedra. Pequena. 3 palmos erguendo-se sobre o chão. Com uma cruz desenhada na face de rocha. Virada para mim. Benzida num Domingo de Páscoa. Uma alminha. E senti o ardor no meio peito a crescer, a subir pelo meu corpo, a cobrir-me a cara, a cabeça, tudo... até que com um estoiro, senti-me a explodir, a rebentar, tudo se tornou difuso e voltei donde tinha vindo.
O Inferno é bom sítio para escrever memórias. Quando não estamos a ser chicoteados entre as labaredas. Maldita alminha!
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