Tempestade Subtropical Alpha
Nesta sexta-feira, aconteceu algo simultaneamente extraordinário e assustador. A maioria dos portugueses viveu um dia chuvoso e com algum vento forte. Mas, na realidade foi muito mais do que isso. A poucas dezenas de quilómetros da costa Portuguesa, formou-se o primeiro furacão europeu, que atravessou Portugal continental e a Península Ibérica, em direcção ao Golfo da Biscaia.
Antes de mais, deixem-me só dizer que não chegou a ser um furacão. Não passou do nível de tempestade subtropical. Faltou-lhe mais velocidade e energia para poder ser considerado um furacão. A escala destes fenómenos começa como "tempestade subtropical", evolui para "tempestade tropical" e, depois, então, para "furacão", "tufão" ou "ciclone" (dependendo da região do globo onde se fazem sentir). Mas a génese do fenómeno é a mesma - água do oceano quente, movimento de rotação da Terra, relativa estabilidade em termos de sistemas de baixas e altas pressões, acabando por originar um sistema circular de baixas pressões, em que o ar do mar é "sugado" e sobe rapidamente. A evolução do sistema depende depois da energia térmica gerada na água quente - quanto mais quente a água e por mais tempo a depressão a atravessar (sem outros sistemas que "derrubem" a convexão), mais forte a tempestade vai ficar, subindo de nível, de energia e de capacidade destrutiva (explicação simplificada). A tempestade perde energia quando chegar a terra, onde já não terá mais água quente para sugar, e assim começa a dissipar-se (literalmente, porque o própria "centro rotativo" perde coerência). (esta é uma explicação simplificada para leigos como eu, mas dá para perceber a ideia).
Nos dias anteriores à "Alpha" (nome que a tempestade recebeu depois de se ter esgotado a nomenclatura de tempestades tropicais para 2020), as águas no triangulo Portugal continental, Açores e Madeira estavam anormalmente quentes, e o NHC (National Hurricane Center - Centro de Furacões norte-americano, que segue a evolução de tempestades tropicais no Atlântico e no Pacífico Leste) referia uma probabilidade existente, mas menor a 40%, de que uma tempestade tropical se formasse. E formou.
A tempestade não teve tempo e energia para se tornar muito forte. Apesar de tudo, a água estava quente mas não tórrida, e por se ter formado a cerca de 100ks da costa e ter rapidamente sido empurrada para cima de território de Portugal continental, não teve tempo para acumular energia, e manifestou-se apenas como alguma chuva (benvinda) e ventos fortes - apareceram também umas super-células que deram origem a tornados, mas eu não tenho conhecimentos suficientes para estabelecer uma relação.
Esta tempestade é significativa porque mostra que, com o aquecimento climático como contexto (relação provável, mas, mais uma vez, haverá gente mais inteligente do que eu a olhar para isto), a formação destas tempestades ao largo da costa portuguesa é possível. Não sei depois qual a possibilidade de intensificação para um nível em que possa causar danos significativos (o Atlântico é mais frio que o Golfo do México, curta distância entre local de origem e terra firme onde perde energia,...), mas só o aparecimento desta tempestade muda algumas coisas importantes em termos de meteorologia e proteção civil em Portugal.
P.S- Já há uns anos tínhamos tido o furacão Leslie, uma tempestade que passou pelos EUA e depois não se dissipou completamente durante a travessia do Atlântico, tendo voltado a ganhar força e a intensificar-se para o nível de um pequeno furacão junto à costa portuguesa. A Alpha mostra que a temperatura da água no triângulo supracitada no final do verão poderá ter potencial para que o Leslie não seja um fenómeno isolado, a prazo.
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