As crónicas do Lynx

Uma colecção de pequenas crónicas dedicadas a uma grande paixão de sempre: Viver essa maravilhosa aventura que é o dia-a-dia!

quinta-feira, agosto 21, 2008

Rocalva

Há nossa frente estendia-se um profundo vale de pedra e terra, pontilhado aqui e ali por alguns apontamentos de verde, amarelo e castanho. Do outro lado, após uma subida vertiginosa que começava no mais profundo do vale, desafiando as nossas forças e vontades, víamos o gigantesco penedo branco da Rocalva.


Os meus pés já estavam praticamente secos quando nos fizémos à subida que marcava o final da nossa ida à "My Blue Lagoon" e o início da nossa busca da Rocalva. O caminho, apesar de subir bastante inicialmente, rapidamente se revelou uma autêntica auto-estrada, de bom piso, que rasgava uma frondosa encosta verde de pinheiros, permitindo uma progressão rápida, procurando acautelar que fossemos surpreendidos pela noite no percurso que nos propunhamos fazer. Esta velocidade (e o adiantado da hora) acabaram por ter os seus efeitos no grupo, partindo-o em dois, entre aqueles que preferiam ir à frente e sonhavam almoçar rapidamente num dos prados do planalto, e aqueles que, à cautela, preferiam comer já lá em baixo, que isto nunca se sabe quando é a próxima paragem e assim até se fica com mais força para aquela subida.



Foi assim que, ficámos os 6 sózinhos lá em cima, à procura de uma mariola que nos indicasse o caminho certo, elas que, se realmente sinalizam um percurso, quais marcos de uma qualquer geira, pecam apenas por não nos indicar qual o destino final desse mesmo, deixando-o à nossa adivinhação e, como tal, à mercê de pequenos enganos que nos fizessem perder o Norte nos caminhos por onde seguíamos. Sem track para seguir (upps! Nenhum de nós o tinha e isso foi um erro), e vendo uma muralha de pedra à nossa frente, e sem mariola à frente que nos permitisse seguir, deixámo-nos tentar por procurar um caminho mais à direita, seguindo as marialvas que por ali apareciam. Na altura não sabíamos que, apesar de tal nos levar por caminhos de inegável beleza, também nos iria levar a fazer mais 6 kms que o caminho correcto e mais directo.






A beleza do terreno que percorríamos deixar-nos-ia sem fôlego, se não o tivéssemos já perdido a contornar e a subir aqueles penedos lá atrás. Enquanto contornávamos a montanha por uma encosta íngreme e pouco dada a percursos fáceis, podíamos contemplar um profundo vale em V, e a parede de pedra do outro lado. A setinha dos nossos GPS indicava-nos que, depois de várias centenas de metros sem uma aproximação real ao nosso objectivo, estávamos agora a seguir na sua direcção. Subindo na sua direcção. Contornávamos calhaus, desviávamo-nos de árvores isoladas queimadas por raios (também, ali sózinhas, àquela altitude, estavam à espera de quê?), saltávamos riachos e pequenos (mas profundos, certo Drager?) lagos, aproveitando aqui e ali para matarmos a sede sob o Sol pesado. Mas subindo sempre, sempre, na direcção da Rocalva, que devia estar já ali, seria só chegar ao topo daquela encosta, chegar à sua cumeada, ao planalto que depois estaria já ali e nos abriria um caminho bem mais fácil para percorrermos.


No topo da subida, estancámos. À nossa frente estendia-se um profundo vale de pedra e terra, pontilhado aqui e ali por alguns apontamentos de verde, amarelo e castanho. Do outro lado, após uma subida vertiginosa que começava no mais profundo do vale, desafiando as nossas forças e vontades, víamos o gigantesco penedo branco da Rocalva. Hesitámos. Acho que cada um de nós sentiu dentro de si qualquer coisa a vacilar. Um leve baixar de braços, um sentir o cansaço acumulado de tanto subir, contornar, tropeçar. Mas a vontade de lá chegar foi mais forte. Apesar de tudo, a rocha gigantesca estava à vista, já tínhamos andado tanto, sem esmorecer nunca, não seria agora que nos faltariam as forças, íamos lá chegar, a energia não nos deixaria, estava ali, algures à nossa frente uma caixa com um livrinho a chamar por nós. Foi uma decisão silenciosa que cada um de nós tomou naquele segundo em que ficámos perdidos com os nossos próprios pensamentos, sem comentários, piadolas ou reparos de qualquer dos membros do grupo. Íamos em frente!


Uma rápida conversa por telefone com o outro grupo confirmou o que já desconfiávamos. Apesar de terem saído atrás, tinham optado por um outro caminho e estavam agora em muito melhor posição que nós para o 'ataque' ao trecho final do percurso. Por outro lado, para nós, o melhor seria mesmo contornar o profundo vale à nossa frente, seguindo pelos caminhos da cumeada, até nos juntarmos a eles mais à frente. Procurámos os 6 os melhores caminhos, contornando sempre o vale, em busca daquela passagem, daquele trilho que, num passe súbito, nos mostrasse não um profundo abismo de ar à nossa frente, mas uma sólida travessia para a encosta em frente, a nossa porta para a Rocalva. O prémio de termos descoberto essa passagem, foi um esplendoroso panorama sobre o vale que nos parecia um obstáculo terrível, mas que agora valia pela sua beleza, revelando-nos os seus contornos. Mas valeu sobretudo pelo grupo que esperava por nós junto ao 'terceiro prado', depois de nos ter ajudado a superar o caminho que tínhamos feito. Neste prado, a água que corria de uma pequena bica foi também um precioso abastecimento para a minha garrafa já ressequida.

Faltava a rocha, o penedo que se erguia enorme e majestoso à nossa frente. Bastava-nos apenas algumas poucas centenas de metros para estarmos junto dele. No sopé. Em busca do nosso objectivo, da nossa caixinha. Depois… Gotcha!