Homem das Cavernas - 24.09.2006
Gotcha!
Uma grande cache, feita em grande companhia, e que, de momento, merece o epíteto de mais desafiante de todas o que fiz até hoje! (quer dizer, excluíndo as DNFs, mas mesmo essas não passei 5 horas a tentar encontrá-las, portanto...).
Às 9h10 (10 minutos de atraso...) estava a chegar às bombas da Galp da 2ª Circular, ao pé da Portela, onde o MAntunes já estava à espera. Uma rápida confirmação de que seríamos só mesmo os dois e ala para a cache.
A primeira micro não foi difícil de encontrar (se bem que o meu GPS me teimasse em levar para longe do sítio certo). Lida a pista e anotadas as coordenadas nos 2 GPSr, tive a nítida sensação de que a partir de agora é que era. Deixávamos a civilização e os nossos papéis de homus civilizadus para rapidamente assumirmos a condição de homus bosquensis, à medida que nos embrenhávamos no meio do mato, que fazia lembrar Sintra, seguindo a pequena linha de água. Uns metros mais à frente, uma viragem à direita para irmos espreitar o algar, visto de cima. Nenhum de nós tinha equipamento de rappel, portanto, esse caminho estava-nos vedado, mas quisemos ir admirar o obstáculo de cima, o que também serviu para nos orientarmos sobre 'onde é que vamos ter que chegar'. Confesso que, e o MAntunes é uma boa testemunha, encolhi-me todo quando cheguei à beira da escarpa... Ainda deu para admirar as amarrações de escalada (e seriam também de rappel?) que estavam na parede, perfazendo um caminho absolutamente vertical até lá abaixo. O pensamento que dominava o meu cérebro era qualquer coisa como “E queriam aqueles loucos que eu viesse aqui fazer rappel com eles!!!”
Bom, mas esse não era o nosso caminho, portanto, toca de voltar para trás, pelo meio do mato e confiar na experiência anterior do MAntunes nesta cache - tinha ficado algumas dezenas de metros à frente da bifurcação. Lá chegados, "e agora?", mas lá descortinámos um caminho pelo calcário, à beira do precipício e, passados uns minutos e ainda a contar os arranhões nos braços, lá encontrámos a entrada da primeira caverna - magnífica, com o seu tecto caído, formando o algar que tínhamos admirado de cima! Ainda ficámos a olhar um dos possíveis locais de descida (que penso ter sido o usado pelos Rifkindiss, Rebordão ao quadrado, Almeidara e BrunoNF) e a via com os pontos colocados na parede oposta (que tem uma parte com uma inclinação fortemente negativa! Algo me diz que quem vai para ali escalar, faz 'tectos' naquele local!!!) e depois, fomos procurar a cache. O MAntunes procurou de um lado, eu do outro e, depressa, a encontrámos. Até aqui, tudo bem!
Mochilas outra vez nas costas e, aqui, respirei bem fundo. Era altura de caminhar ao longo do precipício, por uma pequena plataforma. O relato da equipa anterior falava de 2 pontos particularmente sensíveis e eu queria perceber como é que me ia safar deles! Fomos com o máximo cuidado (eu ainda mais!), sempre com uma mão na parede, a procurar apoios, à medida que progredíamos. Nos últimos 15 dias já tinha havido chuvadas (como um relance rápido para o rio confirmava!) e a rocha (e lama, e folhas) da plataforma apresentava-se algo escorregadia. Uns metros à frente, era impossível passar! Era a primeira passagem de que tinha ouvido falar, um local em que a parede estreitava ainda mais a plataforma e a progressão só era possível com um grande abraço à rocha. O MAntunes ainda ficou a olhar para ela, tentou aqui, ali, mas o chão não oferecia a segurança necessária, e começámos à procura de um lugar para descer para o rio...
Na margem, era altura de começarmos a pensar em transformarmo-nos em homus fluviensis e fazermo-nos à corrente. O Mantunes sacou de umas sandálias e eu fiquei a lembrar-me que aquele já não era a primeira vez que entrava e atravessava um rio, que no Challengers Trophy isso era 'o pão nosso de cada dia' e que o que custava era o primeiro momento, mas depois uma pessoa acostumava-se e olha, pronto, até se fazia. "Arre! Está fria!" - obrigado pelo momento de incentivo, Manuel, e lá vou eu também!
Lá está, o que é estranho são os primeiros metros. Depois, uma pessoa habitua-se à sensação de ter os ténis absolutamente afundados em água, com areia a entrar lá para dentro e ervas aquáticas a prender-nos as pernas. E ainda bem que uma pessoa se habitua, porque se pensarmos que ainda devemos ter feito uns 300 ou 400 metros por dentro de água... Claro que o Manuel parecia nas suas 7 quintas, sondando o leito do rio (já vos disse que choveu e aquilo estava mais profundo do que estava à espera?) com o bastão (bendito bastão, que tanto jeito me deu em 'n' ocasiões), enquanto eu rapidamente decidi que não valia a pena tentar arregaçar as calças como se tivesse sido apanhado numa cheia súbita em Alcântara - e adaptei-me à ideia... (claro que a palavra "sanguessugas" ainda me cruzou a mente duas ou três vezes, mas uma piada do MAntunes tirada do nada, e que revelava que também estava a pensar no mesmo, deu um contexto geográfico à questão, e como não estávamos no Cambodja nem encontráramos o Chuck Norris em busca de desaparecidos em combate, parecia que as sanguessugas não nos iriam encontrar também)
GPS ligado, a apontar para a margem errada, era altura de começar a procurar um local para sair do leito do rio. Dito e feito. "E a entrada da caverna, viste?" "Não, mas deve ser para cima." E lá fomos nós por ali fora. Estávamos convencidos de que, a dada altura, encontraríamos a plataforma de calcário que tínhamos começado a percorrer uns largos minutos antes, e que ela nos conduziria até à caverna - simples! E, portanto, lá fomos nós por ali acima, agarrando-nos a troncos, rochas de calcário, a um bastão enviado como auxílio de última instância (obrigado MAntunes!), desviando silvas, carrascos, troncos de árvore, escorregando pela lama, folhas, troncos partidos que ofereciam enganosos e falsos apoios. Da plataforma nada. Mas encontrávamos vestígios, pegadas, de que alguém teria andado ali antes de nós, portanto, e apesar da dificuldade do caminho que abríamos, continuávamos convencidos, quais homus trepadensis, que por ali é que era! E subíamos! Até à altura em que, aproveitando finalmente uma aberta na vegetação cerradíssima (fartei-me de pensar na tesoura de poda dos Rebordão), olhámos para trás (e para baixo). Estávamos praticamente à altura do topo da falésia da margem oposta. Estávamos uns bons 40 ou 50 metros acima do nível do rio e claramente fora do nível da caverna! Tínhamos seguido uma má abordagem.
Aproveitámos e sentámo-nos na pedra gigantesca que tínhamos acabado de trepar e, enquanto ligávamos os GPSs (com aquelas escarpas e vegetação de pouco tinham servido até ali), recuperávamos forças (barras energéticas "kick ass!") e estudávamos o terreno. Olhando agora para trás, acho que este momento foi absolutamente chave – foi o momento de respirar bem fundo e pensar no que é que tínhamos feito, o que tínhamos feito mal e o que poderíamos fazer para corrigir os nossos erros. Percebi que estávamos alinhados em termos de orientação e que, se dúvidas tivesse ainda, falávamos a mesma linguagem – cotas, abordagens, orientação – debruçados sobre uma carta militar num pequeno PDA. Apesar de termos cometido um erro de excesso de entusiasmo a trepar, não tínhamos perdido a capacidade de orientação e de raciocínio e delineámos a estratégia para encontrarmos a cache. Adivinhem! Boa, vocês são geniais! A estratégia era... descer até lá abaixo outra vez e encontrar outro caminho!
E assim foi! Descer, descer, descer, descer (homus descendis) por vezes agarrados a pedras e árvores, outras a confiar na mistura de lama, rocha e folhas sob os nossos pés (na realidade, não confiávamos assim tanto), com as silvas a agarrarem-nos constantemente (qual ponto por excesso de velocidade em carta de condução). Mas chegámos até lá abaixo! "E agora, outro caminho?" "Talvez trepando por esta rocha de calcário" foi a resposta do MAntunes. Subir aquela rocha foi-lhe difícil (e eu nem queria pensar como iria fazer...) mas lá conseguiu e, foi 'bater' aquela zona. "Parece-me que acertámos!" e foi a minha vez de tentar subir. Definitivamente, não foi fácil, com os ténis encharcados e enlameados a não ajudarem a encontrar apoios para os pés, e a obrigarem a que a subida fosse 80% braços e o restante o apoio do meu teammate com o seu bastão metálico (à segunda tentativa, porque na primeira aprendemos que a extensão do bastão não aguenta com um peso seco de 70 kgs...). Olhando para trás com um dia de distância, acho que aquela subida significa que tenho que voltar aos treinos de bouldering no Rocódromo.
Por fim, a caverna! E a cache! Gotcha! O almoço, às 15h (4 horas depois de sairmos do carro!!), foi tomado, qual homus cavernensis, dentro da gruta (fabulosamente grande, aqueles morcegos têm ali um T4 duplex à maneira, se o Cláudio tivesse ido connosco ainda a esta hora lá estava, a explorá-la!), ao abrigo da terrível chuvada que entretanto começou a cair. Só faltava mais essa para o caminho de regresso para o carro!