As crónicas do Lynx

Uma colecção de pequenas crónicas dedicadas a uma grande paixão de sempre: Viver essa maravilhosa aventura que é o dia-a-dia!

terça-feira, janeiro 29, 2008

Quando corres...

Quando corres, entras noutra dimensão
Todos os teus problemas desaparecem
Tudo aquilo em que pensas varresse-te da cabeça
Tudo o que existe é o próximo passo
Tudo em que que te focas é em descer aquelas escadas,
Subir o próximo monte, saltar sobre o banco de jardim que vês.

Tudo o que existe passa a ter o significado de uma reflexão
Não profunda ou forçada, mas que acompanha o movimento do teu corpo
Tudo o que acontece, locomoção e pensamento, é automático,
Surge, existe, transforma-se naturalmente.

Sem esforço moves-te,
Não apenas no espaço que te rodeia,
Mas também em ti próprio.

sábado, janeiro 26, 2008

Parque Natural do Alvão, 19 e 20 Jan 08

“Estou bem! Estou bem!” exclamei para o miúdo que já vinha a correr na minha direcção, enquanto tentava sair do buraco onde tinha a perna direita enterrada até à cintura…

O dia tinha amanhecido nublado em Vila Real. “Uma típica manhã transmontana”, pensei, enquanto me interrogava como estaria o tempo lá em cima na montanha. Tinha feito a viagem na noite anterior, saindo de Torres Vedras, onde tinha estado numa reunião, para Vila Real. O motivo? Bom, na realidade, eram dois: por um lado, participar no fim de semanas de corridas de orientação do Campeonato Nacional, que estava agendado para esse fim-de-semana, nas encostas do Parque Natural do Alvão; por outro, encontrar a minha 400ª cache em Trás-os-Montes, a terra da minha Avó, e um dos locais onde sinto as minhas raízes mais profundas!

A prova do primeiro dia estava marcada para as 12h30, no mapa de Muas. Meti-me no carro, liguei a Gertrudes (o meu fiel Garmin para navegação automóvel) e comecei a subir a serra. Imediatamente a temperatura começou a descer, cumprindo o rácio de -1º por cada 180m verticais mas, confesso que, para isso, já estava preparado. Bastava-me apertar o meu fato do Challengers (já agora, estes fatos são realmente espantosos, frescos no Verão, quentes no Inverno quando os fechamos até cima, com uma resistência até mais não, impermeáveis,…). Agora, para o que não estava à espera era do nevoeiro, absolutamente cerrado a partir dos 700 metros – e a prova desenrolou-se toda ela acima dos 900! Não se via um palmo – ou melhor, 20 metros à frente! O que também não se via era neve – era um dos meus desejos escondidos, fazer uma prova de orientação com neve, mas parece que vai ter que ficar para a próxima!

Parti, e, se me adaptei realmente bem ao frio, percebi que o nevoeiro podia ser mesmo um problema, mas que ainda teria um maior – o terreno! Nunca tinha feito orientação a uma altitude tão elevada e num terreno tão rochoso. Ainda por cima, sem grandes referências visuais, demorei a perceber exactamente o que deveria fazer. O truque seria navegar com azimutes apertados, controlados ao milímetro e em que a velocidade não seria o ponto primordial – a navegação era o busílis. Agora, navegar com azimutes controladinhos num ambiente com penedos de 20 metros ou mais a surgir de todos os lados… Complicado, mesmo muito complicado! Era, por outro lado, de extrema importância, a navegação ‘de fora para dentro’ como me tinham dito no Apoio Técnico do CPOC – basicamente, esta técnica consiste em encontrar um ponto de referência no terreno (um marco geodésico, uma linha de alta tensão, …) e procurar referenciá-lo no mapa. Claro que, sem nevoeiro é muito mais fácil!

Apesar de tudo, fui fazendo os pontos, bem mais devagar do que é habitual, em virtude do terreno (ainda por cima, as rochas estavam escorregadias da humidade do nevoeiro) e das dificuldades de orientação e, sobretudo, fui gozando da paisagem megalítica absolutamente fabulosa. Num dos azimutes mais longos, e depois de contornar um grande penedo, dei por mim perdido, sem ter a certeza se tinha recuperado o azimute a 100%. Encontrei um miúdo (para aí com 13) que me perguntou pelo mesmo ponto que estava à procura. Continuou cada um para seu lado e… de repente senti a minha perna direita a afundar-se, a minha perna esquerda flectiu toda ao nível do joelho e só parei quando o meu pé direito encontrou chão, cerca de 1 metro abaixo do sítio onde pensava que ele estava! “Estou bem! Estou bem!” exclamei para o miúdo que já vinha a correr na minha direcção, enquanto tentava sair do buraco onde tinha a perna direita enterrada até à cintura, e percebi que aquele terreno afinal era ainda mais traiçoeiro do que pensava – torrentes de água deviam cortar o chão fofo na altura das chuvas mais fortes ou do degelo, formando sulcos mais ou menos profundos que se escondiam sob a vegetação rasteira que nos dava pelos calcanhares! A partir daí perdi a concentração e sinto que perdi bastante tempo – ainda para mais quando parei para ajudar uma rapariga do meu clube que estava a coxear em cima de um penedo… mas ela não queria auxílio e preferiu acabar a prova, mesmo ao pé coxinho!!!

O segundo dia de provas (um pouco mais acima na montanha, num mapa perto da Barragem Cimeira) não foi muito diverso, mas com uma diferença muito importante. Depois dos pontos iniciais num planalto (daqueles cobertos de vegetação rasteira, adaptada a sobreviver em condições de montanha, com temperaturas negativas quase todos os dias, que escondia os tais sulcos de profundas linhas de água) algo pantanoso, a prova desenrolava-se numa floresta pelo meio de penedos, mas acima do nevoeiro!! Foi espectacular!

Pelo meio, e depois das provas, ainda tive tempo de me lançar à conquista da minha 400ª cache. Para isso, ainda tinha que encontrar duas caches pelo meio, a ‘Travassos’, na aldeia do mesmo nome perdida na serra e que, pelo nome, me recordou imediatamente o meu bom amigo Diogo, e a ‘Vamos ao Teatro’, uma multi-cache urbana, no meio de Vila Real, e que deu origem ao tenebroso espectáculo de um individuo (eu) a utilizar um frontal num parque, no meio da noite escura, em pleno centro da cidade…

Tentei fazer a 400ª na ‘Ermelo’s Wonder’, uma cache ao pé das cataratas das Fisgas de Ermelo – um daqueles locais de cortar a respiração, em que as águas se precipitam por dezenas de metros num autêntico velo branco que rasga as encostas rochosas da montanha! E um daqueles locais que não acreditamos como é que é possível que não esteja melhor explorado turisticamente… Depois de evitar as cabras que por ali estavam no dia anterior (no Domingo, nem sinal delas), ainda estive lá por cima, em redor do ponto zero, a evitar arbustos e a remover calhaus mas… nada! DNF! Bom, era por isso, tempo de me encaminhar para a próxima na lista, a ‘Wolftrap’, num antigo fojo para lobos. E o que é um fojo para lobos? É uma armadilha. Antigamente, as populações desta área podiam temer realmente as incursões dos lobos das serras, sobre os rebanhos e, por isso, construíram esta enorme armadilha em pedra, que foi construída de forma a que um lobo pudesse entrar (em busca de uma ovelha que era lá deixada viva como isco), mas não conseguisse sair – depois, os homens da aldeia iam lá e matavam facilmente o lobo que não podia fugir! Agora, que os lobos já não representam uma ameaça (ainda os haverá por ali?), é apenas uma atracção semi-abandonada, que obriga a uma caminhada de mais de 1,5 kms pelo meio de uma estrada florestal (e com algum corta-mato pelo meio, afinal, sou eu, portanto…) para lá chegar, no meio dos montes áridos – absolutamente magnífico! Uma óptima escolha para 400º!

E, depois, já na vinda, a despedida de Trás-os-Montes, fazendo a cache Mira-Douro, a mirar o Douro, do alto de um monte ao pé de Santa Marta de Penaguião – a despedida de um fim-de-semana em grande!

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Próximo fds - orientação no Parque Natural do Alvão

E parece que há neve!

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Morreu uma lenda

Edmund Hillary morreu esta madrugada, num hospital de Auckland, na sua Nova Zelândia natal. Tinha 88 anos. E era (é) uma lenda! Por em 1953, juntamente com o sherpa Tenzing Norgay, se ter tornado o primeiro homem a atingir o topo do Mundo, quando escalou os 8848 metros do Monte Evereste. Mas, sobretudo, por, apesar de toda a fama que o feito lhe grangeou, tornando-o o neozelandês mais famoso do Mundo, se ter mantido uma pessoa humilde e empenhada. Como o demonstram o sempre ter partilhado o sucesso da sua escalada com Tenzing Norgay (e na década de 50, o Mundo era bem diferente daquele que é hoje), o seu empenho na causa das melhorias das condições de vida das populações sherpa e na protecção do meio ambiente ou a forma extremamente clara com que afirmou que uma vida humana é tão mais importante que o atingimento de qualquer cume de qualquer montanha (em reacção às notícias de que uma expedição inglesa tinha deixado um montanhista para trás, para conseguir 'fazer cume').


Este homem, foi um exemplo. Este homem é uma lenda!


segunda-feira, janeiro 07, 2008

A minha pele é extraordinária

A primeira vez que pensei nisso, foi há uns meses atrás, ao ler as crónicas do Mega-transet do Michael Fay, em África, para a National Geographic. Em determinada parte do texto, ele referia que preferia caminhar apenas com sandálias, uns calções e uma camisa, porque não havia melhor material, melhor tecido para suportar as agruras de uma longa caminhada e, sobretudo, a água que iria encontrar no caminho, do que a própria pele.

Tive oportunidade de o confirmar este sábado, quando corri quase 24 quilometros por Lisboa, a fazer geocaching, debaixo de chuva, vestido com calças e apenas uma t-shirt. A pele, realmente, suportou facilmente, sem nenhuma sensação de desconforto em especial, toda a água que lhe caiu em cima e que, rapidamente, desaparecia. Como ia apenas com uma t-shirt, a água rapidamente fluia, não ensopando nenhuma peça de roupa e causando aquela incomodativa e perigosa (a minha avó diria que é assim que se apanham constipações) sensação de roupa molhada colada ao corpo. Foi perfeito!
Uma nota apenas. Esta corrida foi realizada com cerca de 15º de temperatura. A temperaturas mais baixas, o facto de a água produzir uma sensação de arrefecimento 72 vezes superior à do ar seco altera as coisas. Nessas ocasiões, mais roupa e um impermeável transpirante serão a melhor forma de evitar doenças mais complicadas e, em casos mais extremos, a hipotermia.

domingo, janeiro 06, 2008

Meia-Maratona de Caches Urbanas

O desafio? Fazer 28 caches urbanas em Lisboa, sem o recurso a meios mecânicos. Ou seja, fazer caches que se estendiam do Campo Grande ao topo da colina de São Jorge, sempre a correr!


Como já escrevi anteriormente, não gosto por aí além de caches urbanas. Mas elas estão lá, existem, e, do ponto de vista histórico, de aprender algo mais sobre locais por onde passamos todos os dias, ou de descobrir sítios novos e interessantes que estão muitas vezes ao virar da esquina, são uma mais-valia.


Mas confesso que não gosto de andar de carro por aí, no meio do trânsito, a abrir a porta e a procurar por micro-caches, muitas vezes mais pequenas que uma caixa de rolo fotográfico. Por isso, tinha que tornar a sua 'caça' mais interessante - juntando-lhe um desafio físico! Foi assim que surgiu a ideia de fazer uma 'Meia-Maratona de Caches Urbana'! Com um percurso que, a olho, se aproximasse da distância de uma 'meia, servindo-me para treinar para (eventualmente) um dia tentar fazer uma, mas que fosse menos puxada física e psicologicamente (porque, pelo meio do percurso, ia procurar caches, permitindo-me parar fisicamente, mas também ter objectivos concretos pelo meio do trajecto, em lugar de apenas um a 21 kms de distância...).


O Sábado tinha amanhecido chuvoso e cinzento, com uma persistente chuva molha-tolos. Confesso que hesitei muito (muito mesmo!), antes de entrar no carro, vestido de calças de corrida e uma t-shirt, para desafiar a chuva e ir até ao local de início. No trajecto da auto-estrada, ainda cheguei em pensar em desistir duas ou três vezes, mas, a resposta era sempre um 'vai até Lisboa e logo vês como está lá'! Foi assim que estacionei no Campo Grande, a cerca de 300 metros do Museu da Cidade, onde estava a primeira cache do percurso. O tempo estava razoável (naqueles minutos, tinha parado de chover) e, por isso, decidi que ia mesmo ser o dia de ir fazer esta aventura! Sai do carro, verifiquei a minha mochila (um pequeno CamelBack sem bolsa de água, que já não usava há 5 anos, e que me permitiu perceber que, afinal, cinco anos de musculação tinham tido os seus resultados...), onde levava a carteira, uma t-shirt suplente e chaves do carro, liguei o GPS com as primeiras coordenadas inseridas, liguei o cronómetro (eram 10h05) e... comecei a correr.


Primeiro objectivo: a 'Cache da Cidade', uma multi toda ela dentro dos jardins (abertos ao público) do Museu da Cidade, um daqueles locais que pouca gente conhece, mas que, quem visitou, garante que vale a pena. Entrei, fui as pontos designados para recolher os dados para as contas da cache final. O jardim estava deserta, e, com o meu aspecto algo bizarro (quem é que iria correr para dentro dos jardins, de t-shirt num dia de chuva e com uma ridícula mochila minúscula?), chamei a atenção da funcionária encarregue da limpeza do espaço. Por sorte, consegui aproveitar uns minutos em que a senhora estava a falar com uma amiga que por lá apareceu para, num claro golpe de sorte, olhar para um local e perceber que era ali (apesar das dificuldades que o meu GPS estava a ter para estabilizar o sinal). Gotcha! Vamos para a próxima.


Próximo objectivo, fazer as caches dos 4 cinemas (ou ex-cinemas) que se aninham ali à volta da Avenida de Roma. Para isso, atravessei a correr o Campo Grande de uma ponta à outra, usufruindo do privilégio de correr sózinho (estava a chuviscar, não há muita gente suficientemente louca para vir passear num sábado de manhã à chuva) num semi-parque urbana, ainda silencioso com poucos carros a passar à volta. Ainda deu para sorrir quando atravessei o lago do Campo Grande e me lembrei de como há muitos e muitos anos atrás, vim para aqui passear de barco com um amigo meu, mas sobretudo com duas miúdas que tínhamos conhecido na noite anterior - extraordinariamente, consegui perder os remos do barco no meio do lago... Foi hilariante!! Deu também para dizer adeus à senhora gorda do Botero que, dantes, escondia uma missão impossível para os geocachers... E, depois, foi subir a Av Estados Unidos da América e encontrar a 'Quarteto', usufruindo da calma manhã de Sábado. Mais uns 300 metros e uns pingos em cima, e estava na 'King', o mítico cinema (onde, nomeadamente, fui ver o 'Abril' do Nano Moretti com a Catarina há 'milhares de anos atrás). Li a dica (levava-as impressas para garantir a discrição e a rapidez na busca) e pensei que o caldo estava entornado - a porta indicada estava fechada! Seria necessário entrar lá dentro? Fiz uma manobra para procurar num remotamente possível esconderijo e... a 'danadinha' caí-me ao pés. Gotcha! Depois desta, não encontrei a 'Roma', nem a 'Londres', e foi tempo de rumar ao Campo Pequeno.


Esta deu muito gozo! Estava a chover com mais força e já estava encharcado, mas foi olhar para o ponto 0 (certinho!) e perceber o que era a cache! Agarrá-la, felicitando a temerosidade e engenho do owner e fazer o log, mesmo em frente ao sítio onde tinha ido ver o concerto dos 'Xutos' há um mês. Estava visto que ia ter que fazer esta cache 'à minha maneira', a correr, com um tempo nada agradável para este género de coisas e uma certa dose de insanidade!


Next, mais um cinema. O Nimas - que eu nunca pensei que ainda existisse e onde nunca vim. Foi também uma cache rápida - correr pelo meio do trânsito inexistente, perceber onde estava no meio da chuva, esperar que não estivesse sinal vermelho (por causa dos carros parados mesmo ao lado do esconderijo) e já está!

Próximo destino, os Jardins da Gulbenkian, onde estava uma cache acabadinha de estrear, a 'Bernas's First Cache'. A caminho desta, cruzei os 5kms de corrida, a escassos metros desse paraíso no meio da Cidade que são estes jardins projectados pelo Gonçalo Ribeiro Telles, um espaço onde o stress fica à porta, onde o Mundo se revela verde, belo e fluído, onde me sinto sempre bem! Curiosamente, a cache levou-me a um recanto do jardim que desconhecia! Um grande obrigado ao owner!


Era altura de virar para trás e ir fazer uma das pernadas mais longas deste desafio. Cruzar tudo novamente para ir até à Alameda D. Afonso Henriques, para fazer a 'Império' e a 'BG02 - Fonte Luminosa'. Foram 2 kms sempre a correr, com direito a subir a suave inclinação da colina onde se encontra o Técnico, e uma molha desgraçada! Ainda deu para passar pela Casa da Moeda (não estavam a distribuir amostras, pena) e por um ou outro sítio obscuro, mas que, de dia, não passa de uma vulgar rua. O 'Império' tinha uma senhora a fazer limpezas mesmo na área que pensava ser o ponto 0, portanto, ala até à Fonte Luminosa. Aqui, confesso, não consegui subir as escadas todas a correr (fracote...), mas fui como um míssil até à cache - estava escondida no mesmo local onde já tinha estado uma outra!!! Depois foi descer até cá abaixo e pensar que a IURD não é uma seita religiosa, mas sim a arqui-inimiga dos cinemas, tendo transformado um local tão bonito numa descaracterizada igreja. É pena! Mesmo muita pena!


Continuei a correr, agora até ao Saldanha, para fazer o périplo das caches da Avenida Fontes Pereira de Melo, mas, também para comer qualquer coisa (umas massas, alimento calórico e leve, de digestão fácil), já ao fim de 2h15 de 'prova'. Almoço despachado em 15 minutos, e, já debaixo de uma chuvada bem intensa, daquelas que levavam as pessoas, todas abrigadas debaixo de chapéus de chuva abertos, a olharem de lado para o maluco encharcado de t-shirt, continuar para a 'O homem que diz adeus' (dedicada áquele senhor de idade avançada que diz adeus aos carros que por ali passam por volta das 11 da noite) e a 'The secret'. Busca inglória em ambas! Se, na primeira, fiquei mesmo completamente 'à nora', na segunda, após 30 segundos de busca, levanto os olhos e... descubro um casal abrigado da chuva sob o telheiro do Fórum Picoas, a olhar directamente para mim e a perguntarem-se "O que é que este tipo quer?" Foi a altura de correr defronte ao "sítio onde costumo rir até me virem lágrimas aos olhos" (Teatro Villaret) e parar na esquina do Palácio SottoMayor - a cache está excelente, bem discreta mas funcional, e o palácio continua fabulosamente bonito por fora!


Descia agora a principal avenida da cidade, com os seus amplos espaços e movimento (já era uma da tarde), belíssimos edíficios arte nova e fealdades de betão dos anos 80 e 90 misturadas num estranhíssimo 'pout-pourri'. Destino: o mais mítico cinema da cidade, o São Jorge! Cache feita em 2 segundos (sem gente devido à chuva, é mais fácil!) e, de repente, de nenhures, uma pergunta "Então, encontrou a cache?". Era um geocacher que ainda não conhecia, o pmarques99. Apresentações feitas e logbook assinado, e resolvemos ir fazer a 'Estação do Rossio' juntos. A andar, sem correr (soube-me bem, já estava a ficar para o cansado!). Lá chegados, percebemos onde é que ela estaria mas... era impossível retirá-la! O porteiro do Hotel Avenida Palace continuamente a olhar para nós e um vendedor de chapéus de chuva a 2 passos da cache e já desconfiado de nós, diziam-nos que seria um risco desnecessário para a cache. Paciência!


Fui tentar fazer a 'Passeio Público', uma multi que se extende por toda a Avenida da Liberdade, cujo troço inicial, quando foi inaugurada no final do século XIX, tinha o nome de 'Passeio Público'... Pelo meio, dois episódios curiosos. Uma equipa do recém-extinto Lisboa-Dakar a aproveitar para filmar um 'mini-filme' publicitário na avenida, com todo o aparato da equipa de assistência (aliás, era impressionante o número de pessoas afectas a equipas do Dakar que ontem passeavam pela cidade - a carpir as mágoas e a pensarem o que iam fazer com estas 3 semanas extra de 'vida', mas sem a principal actividade do ano em termos de retorno monetário), e... o encontro com a família da Directora de Vendas da empresa em que trabalho! Um encontro em que eu estava num estado miserável, depois de já ter corrido cerca de 13 kms, à chuva... Enfim! Vamos ver se o assunto é referido amanhã... E, pelo meio, não encontrei a cache!!!


Como não tinha encontrado esta multi, resolvi saltar também a outra que ainda me restava no percurso (a 'Regícidio'). Vou fazer estas num outro dia, mais quente, ou mais descansado e com um polar em cima! Por isso, o objectivo foi cruzar uma série de descidas e subidas, desde o Marquês de Pombal até à 'Colina de Sant'Ana', passando pelo Conde Redondo (com o seu mítico restaurante chinês-marisqueira-karaoke) e o Campo Mártires da Pátria, com tão boas memórias das aulas de alemão no Goethe! Pelo meio, ainda parei para comprar pilhas e água num mini-mercado que encontrei aberto (não estava mesmo à espera!). O meu GPS já indicava bateria fraca (não estavam completamente carregadas, longe disso, quando iniciei o percurso) e eu estava a ficar cansado e a precisar de me hidratar internamente - porque externamente, estava absolutamente ensopado! Foi complicado encontrar esta cache. O meu GPS de mão não tem mapas incorporados, e, por isso, foi bem complicado encontrar o caminho certo por entre o dédalo de ruas e vielas daquela colina.


De seguida, desci até ao Martim Moniz, em busca da 'Salão Lisboa', a última cache de cinemas que ia fazer ontem, recém-inaugurada, e em que desconhecia em absoluto a existência de um antigo cinema naquele local. O Martim Moniz é, definitivamente, um local 'sui generis', transformado em centro de comunidades imigrantes na cidade de Lisboa. Na corrida até esta cache (sim, eu ainda conseguia correr), eram notórias as diversas etnias e nacionalidades, as línguas diferentes que se falavam (desde o crioulo, até às linguas eslavas) e ao maravilhoso cheirinho a uma moamba acabada de fazer! Hmmm! Não foi difícil encontrar a 'nano-cache', e aproveitava para dar aos owners das caches dos cinemas os meus parabéns pelos containers simples e muito bem conseguidos que utilizaram nesta série. Bem jogado!


Próxima paragem, a Sé-Catedral de Lisboa, para ir fazer a 'Catedral'. Deu gozo percorrer as ruazinhas estreitas (e íngremes, aí!) do início daquela encosta, por onde já andei vestido de múmia (um peddy-paper de Natal da empresa, há muitos anos atrás) e, noutra ocasião, com uma 'vontade própria' muito reduzida, apanhado por uma corrente de gente num qualquer Santo António, que nos leva para onde o magote de pessoas está a ir! A Catedral continua impressionante! Bela e robusta, parece capaz de arcar com tudo, de ser eterna, de continuar para sempre com aquele ar de inegável beleza áustera e eterna!


Desci a correr a colina, para ir para junto do rio, onde a 'House of Diamonds' me esperava na... 'Casa dos Bicos'! Esta cache está absolutamente divinal! Para além de contar a história da casa de uma forma simples e organizada, o container (a cache em si) está extraordinariamente fora de série! Gotcha! E só tive pena de não poder levar nenhum diamante dali para fora!


Continuei a correr, agora em direcção à 'Estação de Santa Apolónia', dobrando, nesta altura, as duas dezenas de quilometros! Infelizmente, não encontrei a cache, por isso, subi as ruas dirigindo-me a um dos mais espectaculares e menos visitados monumentos de Lisboa, que domina por completo a paisagem da cidade naquele local! Nunca vou perceber porque razão não recebe o Panteão muito mais gente! É uma igreja verdadeiramente impressionante! Actualmente, e apesar da sua beleza e recente notoriedade (devido à transladação da Amália Rodrigues para este local), continua a estar mais rapidamente na boca das pessoas quando nos referimos a obras públicas... (a expressão 'obras de Santa Engrácia' vem desta 'Igreja de Santa Engrácia' que demorou centenas de anos a construir...)


Seguiram-se 3 caches que não encontrei (e, acabei de perceber agora, uma outra que me esqueci de procurar...), nas colinas do castelo, mas que, no entanto, reforçaram a ideia que estava a andar (já agora, nesta altura deixei de correr, as subidas eram bem íngremes e eu já estava bem cansado...) por uma cidade mágica e que, não é à toa, que os estrangeiros chamam a Lisboa, a "cidade branca", como Tolkien chamou a Minas Tirith. Cada recanto esconde uma beleza e monumentalidade impressionantes!


Faltava-me a última cache, a derradeira. Desci do castelo e, já mais na Baixa, ali para os lados da Rua da Madalena, voltei a correr. O meu derradeiro destino era a 'No Paço do Terreiro', em pleno centro administrativo do país! Uma praça fabulosa, enorme, deserta (!) e com uma cache colocada lá bem no meio, em frente dos edíficios públicos e do seu aparato, com uma 'lata' descomunal! Não foi fácil retirá-la e voltar a colocá-la, controlando sempre as pessoas que passavam, as que esperavam os eléctricos e autocarros, os carros parados nos semáforos, os polícias,... Mas, consegui!


Estava encerrada a 'loja'. Encaminhei-me para a recém-inaugurada estação de metro. O cronómetro marcava 6 horas e 7 minutos. O GPS, 23,5 kms. Tinha acabado de encontrar 17 caches, fazer 9 DNFs e um percurso digno de uma meia-maratona puxadinha, sem problemas físicas (ou quaisquer outros). Estava cansado e encharcado e só me apetecia chegar a casa para tomar um bom banho quente, sentar-me no sofá e beber leite e comer torradas! Estava feliz, por ter cumprido o objectivo que me tinha proposto - é possível fazer caches urbanas da maneira que mais gosto!

terça-feira, janeiro 01, 2008

Geocaching em Campo de Ourique

Foram as últimas caches do ano. 2007 estava a acabar e, antes que findasse, resolvi encerrá-lo com uma sessão de geocaching citadino. Local escolhido: Campo de Ourique, a 5 minutos do local onde trabalho e com uma série de caches novas.

Não gosto particularmente de geocaching urbano. Parece sempre que estamos a fazer algo estranho e ilícito no meio de centenas de pessoas, todas elas à espera de nos verem fazer qualquer coisa suspeita e que chame a atenção. É uma pressão tremenda, agir naturalmente, de forma furtiva, tentarmos passar despercebidos no meio da multidão, sem que ninguém nos veja, a retirar uma caixinha de um esconderijo, que ninguém faz ideia do que contém - e em que por isso é fácil imaginar o pior. Temo o dia em que vou ter que explicar a alguém "Isto é um jogo. É uma caça ao tesouro"... Enfim! Daí, não procurar muitas caches em cidade. Mas, ontem, apeteceu-me!

Depois de ter uma sorte brutal e de ter conseguido estacionar o carro mesmo em frente à esquadra da polícia de Campo de Ourique, liguei o GPS e encaminhei-me para a primeira cache. Uma Earthcache, uma cache virtual (sem 'caixinha') cujo objectivo é dar-nos a conhecer mais sobre a geologia e a evolução do pedaço de rocha que navega pelo espaço onde habitamos. Esta, a "This was sea 20 million years ago", consiste num geomonumento, preservado pela Câmara Municipal de Lisboa bem no centro de Campo de Ourique. Uma rocha. Só que, essa rocha, que está hoje em dia a 100 metros de altitude, mais não é que um recife fossilizado, uma prova de que, há milhões de anos, toda aquela zona se encontrava submersa pelas águas de um mar de águas quentes e pouco profundas! Brutal!

Depois de anotar as respostas às perguntas (neste género de cache, temos que responder a perguntas colocadas pelo owner para a podermos logar), comecei o meu périplo pelas caches físicas dedicadas a antigos cinemas de Lisboa. Não fazia ideia mas, naquele curto espaço, no triângulo Campo de Ourique-Estrela-Rato, existiram 3 cinemas, hoje extintos. Esta é das coisas mais espectaculares no geocaching - o poder ensinar-te e fazer-te descobrir algo que nunca pensaste existir, num local que pensas que conheces bem!

Nunca tinha olhado para o cinema Europa. Nunca tinha reparado no Paris. Não fazia ideia do Jardim Cinema / Monte Carlo, ali, a meio caminho entre o Rato e a Estrela. Diga-se que, nenhum deles está já em grande condições. Depois de terem todos encerrado até ao final dos anos 70, o único que se aguenta em condições condignas é o Jardim Cinema, com uma fachada impecavelmente conservada, albergando uma loja de roupa ao nível da rua e um estúdio de produção de televisão (que nunca visitei). O Europa é um edifício fechadíssimo e abandonado, mesmo ao lado do mercado de Campo de Ourique, com um gradeamento a tapar a entrada, o placard onde se anunciavam as estreias e os filmes em exibição a um canto da entrada. O Paris, bem o Paris é uma amostra perfeita de casa assombrada, uma fachada de uma casa esbelta e condigna irremediavelmente devoluta, entaipada em baixo e à espera que caia a qualquer segundo, provavelmente à espera para que se possa ali construir um novo prédio de escritórios ou um condomínio fechado!

Mas, este périplo fez-me descobrir bem mais do que antigos cinemas. Depois de ter andado 3,5 kms pelas suas ruas ao final da tarde de um dia de semana, esta caçada fez-me descobrir a vida de Campo de Ourique. Um bairro onde as pessoas se cruzam nas ruas, fazem compras, bebem cafés em esplanadas. Um sítio com vida de bairro, algo de um valor incalculável nesta Lisboa fanática por centros comerciais. Um local com um charme bem próprio, feito de casas da primeira metade do século, conservadas e arranjadas, mas, sobretudo, de uma vida bem própria característica de sítios onde as pessoas marcam presença. Isso, mais do que as 4 caches que descobri, valeu por toda a caçada.