As crónicas do Lynx

Uma colecção de pequenas crónicas dedicadas a uma grande paixão de sempre: Viver essa maravilhosa aventura que é o dia-a-dia!

sábado, maio 26, 2007

Um segundo que pareceu uma eternidade

Vejo a roda a pisar uma pedra maior solta. Vi-a ainda a resvalar para o lado direito com o peso da bicicleta e depois...

O dia amanheceu chuvoso para os lados de Grândola. Daquela chuva fininha e persistente, que forma uma cortina e que deixa tudo ensopado. Isto, depois de uma noite de chuva, trazia o augúrio de uma prova molhada. Uma prova de orientação em BTT, pelo meio da Serra de Grândola, a atravessar linhas de água e ribeiros, montes, por caminhos enlameados quando havia terra ou escorregadios quando havia pedra - e tudo com um desnível acumulado de 550 metros. Isto prometia!

Os primeiros 4 pontos foram duros, de grandes estiradas, de navegação apertada, mas sobretudo de desníveis fortes. Este quinto ponto parecia mais próximo, e inaugurava os dois últimos terços da prova, com pontos mais juntos e, parecia-me pelas curvas de nível, mais rápidos. Duas opções a tomar agora, virar à esquerda, subir o monte e descê-lo direito ao ponto, uma opção mais curta, ou descer agora até ao ribeiro e seguir o estradão de terra que acompanhava o rio, num percurso sempre plano e mais suave (e rápido). "Vamos à volta" pensei, enquanto me colocava em cima da bicicleta e começava a atacar a descida.

Primeira curva à direita em piso com muita pedra solta ("então esta descida é assim..."), agora à esquerda, e, de repente, vejo a roda a pisar uma pedra maior solta. Vi-a ainda a resvalar para o lado direito com o peso da bicicleta e depois...

A frente fugiu! Foi um sacão para a direita! Travões a fundo (ia bem depressa) e tento puxar frente para alinhá-la com o meu corpo. Não dá! A bicicleta vai já mais devagar para a esquerda, vou conseguir controlá-la agora, mas não, saltou no veio do caminho, dou um salto em cima do selim e aterro meio de fora, estou a tentar não cair, puxo a bicicleta outra vez com o braço direito para junto de mim, dor! Mas paro!

Respiro. Estou bem. Parado! Dói-me o braço direito do esticão, mas sinto que isto vai passar daqui a nada. A bicicleta também me parece ok (grande GT, companheira de aventuras!). Passam mais dois participantes (tinha-os passado lá em cima no ponto, com uma decisão mais rápida). Percebo que só passaram 20 segundos, se tanto, desde o momento em que saí do ponto. Monto. Há qualquer coisa errada. O selim, com o salto, ficou mais baixo e desalinhado (devo ter batido no chão, no veio do caminho, mesmo com muita força). Paro, desmonto, alinho-o e subo-o para a posição correcta. Monto e volto a descer (mais devagar...). Tudo está ok. Foi um segundo que demorou bem mais tempo na minha cabeça. Chego ao cruzamento lá em baixo. O braço já não me dói. Viro à esquerda e vou a fundo ao longo do rio.

sábado, maio 12, 2007

Decisão "go not go"


Sabem quando estamos quase a chegar ao nosso objectivo, àquilo que queremos 'conquistar' e, de repente, acontece algo que muda a nossa percepção do caminho para o atingir, acrescenta uma nova (tremenda) dificuldade para lá chegarmos, e somos obrigados a tomar uma decisão - prosseguimos ou desistimos?


Estive recentemente envolvido numa situação dessas, no 1º acampamento geocaching. Era uma segunda-feira de manhã e deixámos o Parque de Campismo do Pião para atacar o Cântaro Gordo. O primeiro sinal de que o tempo seria agreste foi dado logo quando fomos deixar alguns carros ao final do percurso, junto às pistas de ski da Torre. Estava um nevoeiro tremendo e os termómetros dos carros indicavam... -2ºC!!!


Já sabíamos que iríamos ter frio no cume. Cá em baixo, no início do percurso, no Covão da Ametade, uma estimativa mais actualizada do boletim meteorológico local indicava que provavelmente nevaria na Torre a partir das 15h - o que nos deixava cerca de 5 horas para fazer a ascensão e descobrir as caches que constituíam esta multi. Ok, o percurso deve tomar cerca de 3h30, portanto, à partida, estamos ok. E começámos a subir em direcção à primeira micro, junto à Lagoa dos Cântaros...


Só que, as previsões e o tempo têm destas coisas. Afinal, por alguma razão na montanha não devemos facilitar e devemos andar sempre prevenidos. Decorridos meros 100, 200 metros do trajecto, no início ainda da ascensão... começa a nevar! A princípio, timidamente, depois com cada vez mais força! Paragem instintiva do grupo de cerca de 20 pessoas, em que enquanto uns olhavam à volta, outros preparavam-se um pouco melhor - eu vesti logo o impermeável e levantei o capuz!


E agora? Decisão difícil - continuávamos a ascensão, sabendo que a partir dali, e como estávamos a subir, seria sempre pior em termos de neve, com um grupo de 20 pessoas, em que nem todas elas teriam condições para suportar uma ascensão longa em terreno cada vez mais inóspito a cada segundo que passava ou desistir de prosseguir, abandonar o objectivo, agora que já tínhamos os pés a caminho?


Eu, pessoalmente, já tinha decidido intimamente o que fazer numa situação destas. Avaliar a situação e nunca arriscar. O Cântaro continuaria lá e, não arriscando, tinha sempre possibilidades de o voltar a 'atacar'. E a situação justificava uma decisão 'no go'? Foi a vez das duas pessoas com maior experiência em montanha tomarem conta da situação, afinal, numa situação potencialmente perigosa, devem ser sempre as pessoas com maior experiência a avaliar a situação, o grupo e a capacidade do grupo ultrapassar o obstáculo. O 'Tou Perdido' e o 'FTomar' foram unânimes - não havia condições para prosseguir. Assim, o grupo decidiu abandonar a ascensão, deixando para trás a cache mais aguardada do acampamento (pelo menos para mim) e 4 elementos que decidiram por sua conta e risco prosseguir a ascensão só até à Lagoa dos Cântaros.


Para mim, foi o adiar de um objectivo. Eu sei que vou voltar a atacar aquela cache e que vou fazer a ascensão do Cântaro Gordo. Quando, não sei. Mas confesso que foi difícil, muito difícil tomar a decisão (apesar de eu saber que era a acertada, até porque não tinha levado calças para neve...). Virar as costas ao caminho e iniciar a descida, agarrado ao PMR para aferir se estava tudo ok com o grupo que continuou a subir não foi fácil, não foi nada fácil. Mas, neste momento, enquanto escrevo este post, eu sei que não foi um abandono final - eu vou voltar a tentar a ascensão. E vou conseguir fazer a cache e o cume do Cântaro Gordo.

1º Acampamento Geocaching






No fim-de-semana ‘grande’ do primeiro de Maio, decidi participar no 1º Acampamento Geocaching em Portugal, na Serra da Estrela. O objectivo, o bom convívio entre geocachers de Norte e Sul do país (devido à sua localização central) e a procura de caches em ambiente de alta montanha, algo verdadeiramente aliciante, nomeadamente quando falamos de autênticos colossos / mitos como o Cântaro Magro ou o Cântaro Gordo.




Foi uma experiência excepcional para mim, que há anos que não acampava a sério. Claro que, nos dias anteriores, o meu entusiasmo estava ao rubro. Afinal, ía acampar 4 dias, a cerca de 1000m de altitude e procurar caches acima dessa altitude, a envolverem caminhadas longas, uma outra ascensão, possivelmente neve e frio. Como já não acampava há anos, passei a semana anterior a comprar uma tenda nova (uma ‘2 seconds’ que incrivelmente se monta mesmo em 2 segundos), acessórios para acampar (colchão, pratos, copos, talheres,…), para caminhadas longas (uma mochila melhor e mais confortável e impermeável, um bastão, um corta-vento,…) e alimentação (afinal, quando temos frio, muitas vezes o melhor remédio é alimentar convenientemente a nossa ‘fornalha interna’).




Claro que as caches acabaram por ficar na memória, mas já lá vamos, porque, o que neste momento gostava de salientar é a mística de um acampamento deste género. E que foi dada, antes de mais, pelo convívio excelente entre todas as pessoas, e que ficou bem demonstrado nas 2 míticas churrascadas de Sábado e Domingo à noite, verdadeiros momentos de antologia. Num grupo com mais de 20 pessoas, é obra!




Das 4 caches que tinha marcado como o meu objectivo para este fds, só fiz uma, a mais fácil tecnicamente, uma Earthcache sobre o Vale Glaciar do Zêzere. As minhas vertigens (ou a antecipação delas…) levou a melhor na tentativa de subir o Cântaro Magro (mas aí tive a satisfação de ver o resto do grupo a atingir o cume) e a falta de preparação em termos de equipamento (não levei calças para a neve… - agora já aprendi) limitou a ascensão ao Cântaro Gordo (parámos após 100 metros, quando começou a nevar!) e à Nave da Mestra. Mas houve duas outras caches que, não esperando eu, acabaram por se tornar emblemáticas para mim este fim-de-semana.




Foram duas caches que obrigaram a caminhadas relativamente longas (apesar de só distarem em linha recta cerca de 1,5 kms, o relevo do local obrigou-nos a percorrer distâncias bem superiores), que foram cumpridas em grupo (no caso da “Lendas e Lagoas”, um grupo de cerca de 30), com um grande espírito de entreajuda (não teria conseguido atingir a “Lagoa da Paixão” sem a ajuda do BTRodrigues, do Costa dos Lamas e do Afonso Loureiro) e no meio de paisagens magníficas. Como descrever o momento em que, dobrando um contraforte granítico, vislumbrei pela primeira vez a Lagoa do Peixão, aninhada no fundo de um vale, ladeada por gigantescos granitos, pelos cumes da Serra? Como descrever a sensação de isolamento do resto do Mundo, de "sou o primeiro ser bípede a passar aqui este mês" nessa descida? A sensação de termos começado pelo ponto de partida errado e de termos encontrado o caminho? A sensação de nos orientarmos de volta aos carros, com mais uma hora de luz e o nevoeiro a espreitar de quando em quando? De aprendermos a ler o caminho de regresso? E a Lagoa Escura, ‘irmã’ da Lagoa Cumprida, com aquele ar de águas profundas, frias e paradas, e as suas lendas de uma ‘mão que puxaria quem por lá passava para as profundezas’ e de ‘destroços de navios naufragados no mar que por lá passavam’?






E a sensação de conquista depois de tudo acabar bem e de termos atingido o objectivo e voltado? ‘Priceless’!




P.S- Nos primeiros dias após o acampamento, confesso que senti saudades de jantar com um gorro e um frontal na cabeça, de volta de um grelhador…






Fotos - BlueTrekkers e BTRodrigues (é ele quem aparece na foto com a Lagoa do Peixão por trás)