As crónicas do Lynx

Uma colecção de pequenas crónicas dedicadas a uma grande paixão de sempre: Viver essa maravilhosa aventura que é o dia-a-dia!

quinta-feira, agosto 26, 2010

Andes escreve-se com S

Revi, mentalmente, parado, aquilo que queria fazer. Uma curva suave à esquerda, depois travar e virar à direita. Um S. Pus o peso sobre a perna direita e ganhei um pouco de velocidade, pensei em virar à esquerda e...

Santiago do Chile. 8h10 da manhã. Sai do hotel apressado. Ansioso. O capacete, as luvas, os óculos na mão direita. O casaco pesado aberto. As calças quentes. Chamei um táxi. Passados 15 minutos estava na loja. Podia ver o movimento à porta. As carrinhas estacionadas. À espera para levar as pessoas. Como me tinham dito. Entrei, perguntei, despachei-me. Em 15 minutos tinha a viagem paga, as botas calçadas, a prancha na mão, o forfait no bolso. Disseram-me qual era a carrinha para onde eu tinha que ir. Entrei.

15 minutos e estávamos a subir os Andes, majestosos, numa inclinação ingreme e cheia de curvas que nos levou acima da linha de neve. Rapidamente superámos os 2000m. E continuámos a subir. Comecei a ver nas encostas sinais do que me esperava. Torres com cabos. Coisas a moverem-se entre elas. Depois de mais uma curva comecei a ver edifícios, hóteis, restaurantes, tabuletas. Parámos. "Cerro El Colorado" disse o motorista enquanto nos apeávamos todos. Apertei o casaco, coloquei o capacete, o visor, os punhos, ajustei as joelheiras, subi umas escadas, pisei neve e apertei a prancha, sorvendo o ar frio da montanha. Olhei para o mapa, "por aqui que é curto e suave" e... deslizei com o snowboard pela neve. Estava a fazer snowboard em Agosto!





El Colorado é uma boa estância! São mais de 50 kms de pistas, tem meios mecânicos (se bem que a maioria sejam saca-rabos, e apenas 4 cadeiras - não há teleféricos!), está entre os 2400 e os 3300 metros de altitude. Está a apenas 1 hora de Santiago do Chile, o que a torna fácil de alcançar. Mas é mais pequena e pior equipada que a Serra Nevada. E as pistas são bem menos interessantes - são pistas largas, sem curvas, com poucas mudanças, numa montanha nua. Mas, esta coisa de poder fazer snowboard ou ski no nosso Verão...

Comecei a descer uma pista fácil e curta, a travar sempre, com medo de cair. Mas, o que queria mesmo era treinar a técnica - afinal, estava sózinho, e era a altura ideal para tentar melhorar sem pressão. Não estava era à espera do que aconteceu. Queria trabalhar os meus SS. Queria começar a andar nas pistas sem ser a travar. Por isso, escolhi uma pista ampla e suave e revi, mentalmente, parado, aquilo que queria fazer. Uma curva suave à esquerda, depois travar e virar à direita. Um S. Pus o peso sobre a perna direita e ganhei um pouco de velocidade, pensei em virar à esquerda e... virei automaticamente. Nem pensei tecnicamente! Pensei apenas no que queria fazer e o meu corpo automaticamente ajustou-se para levar a prancha onde queria! Travei em frontside e... fiz o mesmo para o outro lado! De repente, apercebi-me que o meu corpo já sabia fazer snowboard, que tinha construido, em Saalbach e em horas a pensar nos gestos técnico, os instintos para fazer SS! Senti-me eufórico!

A partir daí... bem, foi a loucura! Senti-me a dominar o snowboard como nunca o tinha feito antes. Aventurei-me em velocidades e inclinações cada vez maiores. Testei o meu controlo. Diverti-me à grande! E descobri os limites! Que iam ficando cada vez mais longe... o que significou duas ou três quedas valentes! De tal forma que o meus músculos dos ombros e do pescoço ainda se lembram da cambalhota épica que dei para trás...


Mas, diverti-me à grande! Descobri o snowboard no Verão. Senti que a minha técnica deu um salto tremendo! Por isso, e em honra dos meus recém aprendidos SS... Andes escreve-se com S!


segunda-feira, agosto 23, 2010

Correr em Santiago


Sair do hotel, correr, virar à esquerda, evitar o transito, olhar para os sinais, para os carros, desviar-me das pessoas no passeio, no Centro, passar pelo palácio presidencial, chegar ao rio, correr pelo parque florestal, vencer o smog, voltar.

quinta-feira, agosto 12, 2010

Tristeza

- Saber que o Gerês e a Serra da Estrela estão a arder. Perceber que paisagens lindíssimas, que já vi, em que já caminhei, em que senti a sua frescura, ouvi os seus sons, vi animais, tive boas conversas - perceber que tudo isso está a desaparecer e que não os vou poder partilhar com mais ninguém;

- Ouvir as mesmas desculpas e as mesmas soluções, ano após ano, sem que ninguém faça nada de diferente, apenas para ver as mesmas situações a repetir-se no próximo ano;

- saber que toda a área ardida nunca será recuperada. Ou que demorará anos até ser reflorestada


- pensar em toda a riqueza que se perde. Que a nós, até pode não parecer assim materialmente tanta, mas que é tão importante para quem dela dependia.

Sim, causa-me tristeza.

terça-feira, agosto 10, 2010

Férias calminhas?

Eu tinha a impressão de que tinha tido umas férias paradas, em que tinha descansado em termos de actividade física - pelo menos, era esse o objectivo. Só que, olhando para trás, de forma retrospectiva, numa semana fiz kayak, waikiki (aka carreirinhas), natação (a sério, fiz 'piscinas'), ténis (voltei a jogar ao meu desporto preferido!), corrida e surf. Ou seja, pensando melhor...

domingo, agosto 01, 2010

Alminha

Escura. A noite estava escura. Naquele planalto esquecido a pouca luz das estrelas mal dava para adivinhar os contornos dos picos rochosos que brotavam da terra a poucas centenas de metros, e a sombra difusa dos pinheiros após o ribeiro era mais uma intuição que uma certeza. Mas cheirava a alfazema, e, apesar de o prazer das coisas agradáveis aos humanos não ser normalmente associada aos demónios, senti-me revigorado e alegre, como se tivesse acabado de atormentar uma pobre alma que tivesse deixado o crucifixo em casa. Além do mais, o ar quente, calmo e sereno convidava a uma noite bem passada. Só tinha que escolher um sítio. Um local onde ficar sentado. Um caminho. Por onde passasse gente, mas não muita. Por onde passasse apenas uma pessoa de quando em quando, um vagabundo deambulando por entre aldeias, à procura do seu pão, um agricultor que voltasse a desoras para a sua casa, um amante que enamorado buscasse a sua rapariga numa aldeia próxima a coberto da noite. E que, por incúria, cruzasse o seu passo naquela noite de almas-penadas com algum demónio com a missão de atormentar os comuns mortais - como eu.


Olhei em volta, à procura de um lugar propício. Queria um em que me pudesse sentar calmamente, aguardando meio escondido dos olhares de quem viesse. Ali, depois do rio, à beira da floresta, parecia estar o que queria. Um bom lugar para incutir medo e terror. Sorri, antevendo uma noite assombrosa, e encaminhei-me para o local que escolhi.


A princípio, foi apenas uma ligeira sensação. Uma impressão vagamente desagradável. Que crescia a cada passo que dava. O peito tornava-se-me pesado à medida que avançava. E a impressão cedo se transformou numa dor fina e curta. Parei. Olhei em volta. Procurando perceber o que se passava. Nada. "Deve ter sido do cão que comi ontem" pensei. Encolhi os ombros. Avancei. E rapidamente comecei a tremer violentamente. Cada passo era uma tortura crescente. Sentia-me como se as minhas próprias entranhas se estivessem a dissolver, a arder no Inferno. E, então, via-a. Olhei o local para onde me dirigia. E, ali, insuspeita, meio escondida entre a folhagem à beira do caminho, no próprio lugar onde me queria abrigar, estava uma pedra. Pequena. 3 palmos erguendo-se sobre o chão. Com uma cruz desenhada na face de rocha. Virada para mim. Benzida num Domingo de Páscoa. Uma alminha. E senti o ardor no meio peito a crescer, a subir pelo meu corpo, a cobrir-me a cara, a cabeça, tudo... até que com um estoiro, senti-me a explodir, a rebentar, tudo se tornou difuso e voltei donde tinha vindo.


O Inferno é bom sítio para escrever memórias. Quando não estamos a ser chicoteados entre as labaredas. Maldita alminha!

Dorido

Confesso que hoje estou um bocadinho para o dorido. Tenho alguns músculos não habituais a acusarem o dia de ontem, e ainda me sinto muito mole e espaçado. É o preço que pago pelo dia de canoagem (kayak) ontem no Mondego. Um dia bem passado, em que havia mais água do que eu temia, logo uma corrente mais forte, que tornou o percurso menos duro e cansativo. A única parte em que tivémos que verdadeira e cansativamente remar foi desde a ponte ferroviária até ao centro de Coimbra. E, aí, acreditem, aquelas águas paradas por um açude enorme bem que estão a cobrar o seu preço hoje...